If I must die

Mohammed Abed/AFP

“If I must die” é um poema de 2011, originalmente escrito em inglês, pelo escritor, poeta, professor e activista palestiniano Refaat Alareer, assassinado por Israel em 2023, num dos incontáveis bombardeamentos que têm vindo a terraplanar Gaza. O poema, que agora faz parte de uma colectânea póstuma – If I Must Die: Poetry and Prose, recuperou voz e vigor pelas mais óbvias razões, e reveste-se de uma intemporalidade trágica, porque perante o desaparecimento da humanidade canta a esperança, porque é, contra todas as evidências em contrário, a dignidade que resta dessa humanidade ausente.

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Sebastião, Salgado em Terra insossa

Se o sal preserva a comida e lhe dá sabor, assim devem ser os seguidores de Cristo, na Terra, segundo o Evangelho de São Mateus (5:13). Teologias à parte, hoje o planeta adormece bem mais insosso. Por todos os homens que nunca foram meninos, mas, igualmente, por todos os meninos que nunca chegaram a ser homens, Sebastião Salgado não só preservou a memória como imortalizou as lutas de gente sem nome nem morada, concedendo-lhe um lugar nas revistas e nos jornais, nos museus e nos livros de História. Não é, portanto, um trocadilho gratuito, este que convoca Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado, feitores do belíssimo documentário “O Sal da Terra” (2014), que acompanha o percurso deste homem admirável que recordamos e culmina na elaboração de “Génesis”, uma carta de amor a todas as formas de vida após testemunhar tanta morte; uma das obras-primas do fotógrafo brasileiro que integrou um grupo armado de Marighella, durante a ditadura militar, e plantou, com a esposa Lélia, três milhões de árvores em área devastada. 

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Princípios de Resistência 

Em tempos de escuridão, há sempre alguém que resiste e há sempre alguém que diz não. O fascismo foi derrotado há 51 anos, depois de 48 anos de luta revolucionária e ação militante de comunistas que deram a sua vida — muitos, de forma literal — pela libertação de Portugal e dos povos irmãos de África. Essa luta, tantas vezes invisível, foi feita de coragem, mas também de persistência silenciosa. Um trabalho paciente, de base, que foi mobilizando as massas, criando lentamente as condições objetivas para promover mudanças profundas. 

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Nanni Moretti e o horizonte comunista como antídoto da direita e do “voto útil”

A 20 minutos do final de “O Sol do Futuro” (filme de 2023, de Nanni Moretti), Giovanni, um idealista e impetuoso realizador a braços com uma tripartida crise artística, ideológica e conjugal, interpretado por Moretti num estreitamento da linha que delimita ficção e realidade, encontra-se sentado à mesa com a produtora e recente ex-companheira. Ponderações sobre o desgaste da sua relação e a perda de financiamento para o filme que se encontra a realizar imiscuem-se e atropelam-se. Interrompe-o o extasiado veredito do grupo de investidores sul-coreanos sobre o guião, a última esperança que tem, o filme, de ver a luz do dia. Agrada-lhes particularmente o suicídio na cena final: “tão dramático e sem esperança. É um filme sobre a morte da arte e do comunismo.”

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Os “deputados da terra”: na senda da aldrabice

Andam a tentar vender-nos, com muita insistência, a ideia do “deputado da terra” (local), que vai para o parlamento “defender a terra” ou “lutar pelos interesses da terra”. É coisa que não existe. É um logro, uma falácia, uma mentira. É uma táctica eleitoral saloia e desavergonhada, que visa o saque de votos por ingenuidade e ignorância, e não por esclarecimento ou informação do eleitorado. Porque se fosse por esclarecimento ou informação do eleitorado, tais partidos teriam de explicar, devidamente, às populações, o que é que consagra a lei sobre o carácter nacional – e não regional – da representação parlamentar. E, portanto, isto do “nosso deputado” no qual “a terra” deve votar para que ele “nos possa defender”, no âmbito da nossa Constituição, é de tal forma aberrante e manipulador que, enquanto estratégia eleitoral, não se distingue em nada de qualquer outro malabarismo manhoso do Chega ou de André Ventura. É a este papel que PS e PSD se estão a prestar.

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A esquerda kamalizada

A crise da esquerda no Ocidente é a crise do liberalismo perante o retorno do fascismo. Até há pouco tempo, o voto em soluções simbólicas parecia inteligente: votar Livre, BE ou PS seria uma forma de soprar os valores de esquerda numa ordem que, sem esse compromisso totalmente feito de cedências políticas e avanços retóricos, seria ainda pior. Mas esse jogo está a acabar – e é o fascismo que está a vencer. Nas eleições de 18 de Maio, o eleitorado que se identifica com esses valores de esquerda tem diante de si duas opcões: o suicídio político ou o voto na CDU.

Votar nos congéneres portugueses de Kamala Harris, incluindo nos ecos de Bernie Sanders ou de Alexandria Ocasio-Cortez, é pavimentar o caminho para um Trump português. Já praticamente indistinguíveis, PAN, PS, BE e Livre são iterações ideológicas do mesmo liberalismo social de Kamala Harris, Bernie e AOC que se tornou repulsivo para milhões de trabalhadores estado-unidenses: elitista; desligado do mundo do trabalho; imperialista; cosmopolita e desenraizado da cultura nacional. Não importa se gostamos mais ou menos de Kamala, de Bernie ou de AOC: já sabemos que não funciona.

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Os pobres e a guerra

Foi criada, nos últimos tempos, uma histeria mediática e política, que começou na UE e se alastrou a Portugal, em torno da necessidade do rearmamento da União Europeia. Para isso, as escrupulosas regras da UE dos limites aos défices e dívidas nacionais deixarão de estar em vigor. Note-se que, com países como Portugal a enfrentarem uma gravíssima crise na habitação e no Serviço Nacional de Saúde, essas regras nunca foram levantadas, ou foi, sequer, solicitado pelos governos fazê-lo. No entanto, para a indústria da guerra, vai valer tudo.

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